GP- Como podemos entender a importância da literatura na sociedade
contemporânea?
E- A literatura sempre teve importância em todas as gerações, não por
acaso em sociedades governadas por déspotas ou ditadores, escritores sempre
foram os alvos principais desses regimes. Literatura não é só entretenimento,
como acontece em outras artes, literatura é base para nossa formação, nos
tornar presentes no nosso próprio tempo histórico e nos traz uma dimensão mais
clara da própria história.
GP-Até que ponto na sua visão a filosofia e literatura podem ajudar na
formação de uma sociedade mais humana?
E- Tornar-se humano, essa invenção filosófica, ou ilusão sociológica
adoçada pelo sentimento tão ilusório das religiões que a própria filosofia e
religião podem ser caminhos exclusivos para o bem me deixa cético em respeito a nossa presença na natureza como agentes pretensamente civilizatórios. A
literatura enquanto arte pode servir de afirmação parasitária para algum poder
como pode também ser contestadora desse mesmo poder. No entanto meu ceticismo
não me deixa caduco velando a tristeza do mundo, creio que essa mesma filosofia
pode aqui em nosso país nos revelar neste presente momento aquele “ergue-se
gigante” que tanto esperamos, a literatura nos torna mais capazes, nos revela
de maneira lúdica o que às vezes somos e não enxergamos ou que tememos descobrir que somos, por trás
disso tudo vivo a esperar esse encontro entre o ser animal e essa inventada
humanidade que acreditamos ser o nosso melhor.
GP- Artur Rimbaud dizia: “A Moral é a debilidade do cérebro” o anti-otimismo
da filosofia realista e literatura realista pode ser compreendida pelo
argumento de Rimbaud?
E- Não temos uma moral própria, toda moral é herdada, vem com os
costumes, quando nascemos geralmente nossos pais escolhem (por exemplo) nossa
religião, ao longo dos anos nossos gostos que achamos ser escolhas nossas
muitas vezes foram construídos socialmente, a ideia de que cada um tem seu
gosto e isso não se discute é equivocada, na universidade somos obrigados a seguir
linhas de pensamentos estabelecidas por convenções não assinadas por nós, neste
sentido Rimbaund diz a verdade, ele contesta a moral que somos obrigados a seguir.
Diante da questão moral e da necessidade de renovar nossa visão sobre o
mundo muitas vezes estamos na encruzilhada entre a imoralidade e a amoral que são duas
coisas diferentes. Quanto ao anti-otimismo da filosofia e da literatura
realista penso que olhar o mundo de maneira mais sóbria e menos carnavalesca ou
romantizada nos permite entender melhor as teias intricadas das relações
humanas, esse pensamento, em minha opinião, realista não nos leva para uma
visão deprimida do mundo e sim para uma visão que nos releva nossas franquezas
éticas e de caráter, a imoralidade cotidiana apresentada de uma maneira que quase
não conseguimos contestá-la, muitas das vezes encontramos personagens terríveis
em algum romance e nos identificamos com ele e por que isso acontece? Porque de
alguma maneira nele encontramos traços da nossa própria personalidade.
Minhas crenças não são suficientes para que eu interprete o mundo, eu
sou eu o que acredito, mas também sou outra realidade para além de mim, que por
mais que eu negue, essa realidade existe.
GP-Prof. Ediney Santana em sua palestra na Jornada pedagógica 2014, na
cidade de Saubara, você falou sobre a “Pedagogia da Ignorância”, explique como
ela pode ser compreendida e combatida levando em consideração o sistema
educacional publico e privado no Brasil.
E- A Pedagogia da ignorância nos leva crer que se pode tirar algum
proveito da debilidade intelectual, o conhecimento é tratado de maneira secundária,
às relações de amizades e poder passam a valer mais que o estudo e nossa
capacidade de conseguir algo pela força do conhecimento intelectual, mas vale
apertar a mão de um poderoso, servir-se das suas migalhas que entrar em uma biblioteca.
A escola neste sentido, a escola pública, é o alvo principal dessa Pedagogia da
Ignorância, toda estrutura cognitiva de ensino e aprendizado é abalada, pessoas
são ensinadas a pensar errado por pessoas que aprenderam errado e ensinam
errado, é triste constar, por exemplo, que um número gritante de estudantes das
universidades ao fim do curso não conseguem escrever um TCC e contratam alguém
para escrever, não sentem nenhum tipo de remorso por isso e ainda fazem festa de
formatura, festejam sem saber, creio, a diplomação da ignorância de cada um.
Fui aluno de escola pública, tenho deficiências graves, mas estou sempre
estudando tentando melhorar, não dou trégua para minha ignorância. O pior, no
entanto, da Pedagogia da Ignorância é o estabelecimento no poder de uma espécie
de políticos que não importa a que partidos pertençam sempre vão vigorar no
poder, trocam nomes e siglas, mas a Pedagogia da Ignorância vai sempre reservar
o poder para eles. Tudo isso explica porque o Brasil tem um dos piores sistema
de ensino do mundo, tudo isso não isenta a educação privada que geralmente
educa para a indiferença social, pragmática e fria.
GP- Qual seu ponto de vista sobre literatura de Autoajuda e espírita?
E- É literatura que serve para determinado público e que de alguma
maneira faz bem para esse público, o problema é quando se alimenta sempre de
uma mesma fonte, sem deixar espaço para outras visões de mundo.
GP- Como você vê a literatura
religiosa e sua importância?
E- Eu gosto de muitos textos bíblicos, hindus, já li muito aqueles
livrinhos dos Hare
Krishna, li muito o Bhagavad Gita, livros espíritas. Creio que sou um sujeito místico, todos esses livros
tem importância, todos tem algo de bom a nos dizer, para mim Deus não é autor
de livro algum, não é sectário de religião alguma, cada um pode exercer sua
religiosidade da maneira que se sentir em paz, mas isso não diminui a
importância desses livros que muita gente tem como sagrados, saber limitar
nossas crenças aos nossos corações nos impede de nos tornar intolerantes,
profanar com o ódio uma das bases de todas as religiões: o amor!
GP- No Brasil o processo de estabilidade profissional é muito difícil, pequenos
autores também enfrentam dificuldades em publicar e promover seus livros. Como
você enfrenta essas dificuldades?
E- Há algo muito perverso no Brasil, o sobrenome ainda é mais
importante, em muitos casos, do que a real importância de uma pessoa para
aquilo que se propõe a realizar, ainda há o pavoroso culto à personalidade, eu
já publiquei oito livros, mas como nunca apareci na TV ou algum famoso disse
que gosta da minha literatura para a maioria das pessoas sou insignificante
como escritor, porque se confunde a fama, o estrelato com a razão de ser da pessoa
ou a importância do seu trabalho, isso é outro fruto da Pedagogia da Ignorância,
isso é atrapalha, mas não desmotiva.
Promovo meus livros de maneira tranquila pela internet e em palestras
que faço, sem pressa, sou um escritor não uma celebridade da novela das oito,
mas no fim todo mundo encontra seu público.
GP-Como você vê o evento da Bienal do livro no Brasil e o grande auge
das publicações de livros digitais?
E- Bienais são “festas” para editoras, lá elas promovem seus livros,
convidam escritores apenas como manequins de luxo para esquentar as vendas.
Livro digital é mais uma mídia importante, nos ajuda a circular pelo mundo
digital, vai conviver pacificamente com o livro de papel, a literatura vai além
do formato que é apresentada, o que vale no fim é a capacidade do autor de
tocar seu público seja em papel, áudio ou digitalmente. Um dos grandes desejos
que tenho é que meu romance Urbem Angeli seja adaptado para desenho animado e
filme.
GP- Com qual ideia você pretende mudar o mundo?
E- (risos) Quero mudar não, nem seria uma mudança boa, o mundo muda com
a soma dos desejos de todo mundo, quando todo mundo pode realmente desejar,
porque infelizmente estão desejando por nós, na maioria das vezes acreditamos
que o que estamos desejando é realmente algo que vem de nós, seria bom ter a
segurança de que tudo que sentimos, nos apaixonamos e desejamos representa
mesmo nossa vontade para e com o mundo.
GP- Qual a sua razão de viver?
E- A busca sempre e constante
da felicidade. Já vive em muitas estruturas de trabalho, já andei entre pessoas
bem pequeninas e pobres e entre gigantes e poderosos, já bebi cervejas quente
com os pobres como eu e fiz noitadas com gente tão gelada e seca quando uma
garrafa de uísque, já disse adeus a muitos amigos, amei e fui amado, odiei e
fui odiado, mas assim como um dia cantou Édith
Piaf: “não me arrependo de nada”. Hoje passo os dias calmos, gosto de encontros
calmos, ir a galerias de arte, cinema,
teatro, ficar com minha família e nisso tudo
minha razão de viver é ser feliz e não fazer mal a ninguém.
Ediney Santana foi entrevistado por George Prazeres, professor de
filosofia, articulista político e militante religioso. Professor George
Prazeres atua nas cidades de Salvador e Saubara-Bahia.
Salvador 20 de junho de 2014.