Entrevista concedida a estudante de jornalismo Lorena Soares
no dia 11 de março de 2013 para o jornal Revesso/ Universidade Federal do
Recôncavo da Bahia/ UFRB*
Lorena) - Ediney quando você
comeu a escrever?
(Ediney) - Exatamente não
lembro quando me despertou o gosto pela literatura e escrita, mas certamente as
aulas de Comunicação e Expressão entre a 5ª e 8ª séries do primeiro grau
(chamavam assim as aulas de Língua Portuguesa) da professora Norma no colégio
Senador Pedro Lago foram decisivas pelo meu encantamento a palavra e escrita. A
professora Norma foi à pessoa mais importante na minha formação intelectual.
(Lorena)- Como é sua relação com
a Língua Portuguesa, gramática e literatura?
(Ediney)- Minha relação é mais
com a literatura que com a gramática, o meu encanto é com a semântica da
palavra.
(Lorena)- Quais são os poetas
portugueses, brasileiros que você mais se identifica?
(Ediney)- São fases literárias,
houve um período que foi muito Augusto dos Anjos, um dos maiores poetas do
mundo, um cara que só publicou um livro e está aí até hoje. Outra fase foi
Castro Alves pela militância social, outros momentos Manuel Bandeira pela
doçura e leveza em falar das nossas misérias cotidianas, pessoais e ultimamente
muitos poetas contemporâneos, autores de blogs.
(Lorena)- Como você entende
poesia e poema? Ha diferenças?
(Ediney) - Poema seria a forma,
poesia o significado ou signo verbal, a semântica e imagens da palavra. Mas
podemos encontrar poesias em textos em prosa e não encontrar poesia alguma em
um livro de poemas, às vezes você ler um poema e é só um amontoado de palavras
sem signo poético algum. A poesia em si transcende a forma física do papel, vai
muito além...
(Lorena)- No dia 14 de março é o
dia da poesia em homenagem a Castro Alves, o que você acha dessa homenagem?
(Ediney)- Mais que justa, Castro
Alves foi poeta da intensidade verbal, militou com paixão e verdade na poesia,
em um período conturbado da nossa história, seus versos oscilavam entre o
lirismo e a militância social, uma voz poética muito forte, verdadeira. Por ele
ter nascido no dia 14 de março se fez essa homenagem fazendo desta data o dia
nacional da poesia, sua poesia é ainda muito simbólica, seus versos sociais
fazem eco nestes nossos dias, já que a escravidão mudou de forma, hoje se
escraviza de outras maneiras, a principal dela é negar a história, nosso tempo
é o tempo em que se fortalece a ideia da não memória, da não história,
cultiva-se apenas o moribundo presente que não dura 24h horas, ha a repetição
do que em verdade não existe porque é feito para o compartilhamento vazio de
emoções vazias.
Eu particularmente gosto mais da
lira de Castro Alves, a poesia do “Espumas Flutuantes”, uma poesia sensível,
mas sua poesia social encontra em mim um
profundo admirador, ele foi um cara extremamente corajoso, jogou na cara das
elites escravocratas do seu tempo as mazelas e servidão de uma época triste e desesperadora.
(Lorena)- Qual a poesia que você
mais gosta do Castro Alves?
(Ediney)- Gosto muito de um poema
chamado “Adormecida”:
“Uma noite, eu me lembro... Ela dormia
Numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão... solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.
'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste
Exalavam as silvas da campina...
E ao longe, num pedaço do horizonte,
Via-se a noite plácida e divina.
De um jasmineiro os galhos encurvados,
Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilando ao tom das auras,
Iam na face trêmulos — beijá-la.
Era um quadro celeste!... A cada afago
Mesmo em sonhos a moça estremecia...
Quando ela serenava... a flor beijava-a...
Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...
Dir-se-ia que naquele doce instante
Brincavam duas cândidas crianças...
A brisa, que agitava as folhas verdes,
Fazia-lhe ondear as negras tranças!
E o ramo ora chegava ora afastava-se...
Mas quando a via despeitada a meio,
P'ra não zangá-la... sacudia alegre
Uma chuva de pétalas no seio...
Eu, fitando esta cena, repetia
Naquela noite lânguida e sentida:
"Ó flor! — tu és a virgem das campinas!
"Virgem! — tu és a flor da minha vida!..."
Linda né? Acho bela, o olhar
sobre a mulher dormindo, ele se imaginando entre seus seios, criando imagens
sensuais e sedutoras, escreve sensações que aquela mulher provoca nele, tudo
apenas por causa de um roupão sutilmente aberto e ele se desmancha em prazer
kkk. O “Livro e a América” também é um
poema que me diz muito, para quem milita na educação o poeta fala em levar
livro para o povo e fazer o povo pensar:
“Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe — que faz a palma,
É chuva — que faz o mar”.
(Lorena)-
Como você analisa a influência da internet na literatura e na vida das pessoas?
(Ediney)-
A internet é uma grande biblioteca áudio visual, o que percebo que se tem muita
informação, mas sem gerar conhecimento, para a literatura, acho que a internet
é responsável pela renovação radical da nossa letras, com os livros digitais e
blogs, ficou mais fácil e democrático editar livros e não se tem mais o peso
coorporativo das editoras dizendo o que se deve ou não ser editado ou lido . A
grande questão é como vamos sair de uma geração de informação para uma geração
de conhecimento, somos a geração da ressaca, sem paixões e feliz em nos
repetirmos, mesmo com todas as ferramentas que nos possibilitam uma tomada de consciência
mais profunda infelizmente apostamos na falsa civilização da ausência de ideais
no sentido radical da palavra, esse é o tempo do “tanto faz, sempre foi assim,
sou amigo de todos e todos são lindos”, tempo do tomar café enquanto rimos do
vizinho que foi decapitado. Tudo isso se reflete nas artes que às vezes é
patológica e demente como esse tempo de ressaca idealista.
A
internet transformada em ferramenta apenas de pesquisa tem formado batalhões de
pessoas emburricadas, treinadas na arte de copiar e arrotar verdades caducas
para um mundo que pede posicionamento crítico e objetivo. Mas ao mesmo tempo
ela aponta caminhos, a internet enquanto território quase livre tem mais
sentido democrático que o Estado brasileiro ainda imerso em parasitaríssimo
politico e artificial incompetência admirativa.
(Lorena)-
Muitas letras de música tem forte teor poético, como você analisa hoje esse
encontro entre música e poética?
(Ediney)-
A música se renova com muita rapidez, mas com pouca qualidade. A música é muito
banalizada, nestes nossos dias vejo muitas letras de músicas que são apenas Onomatopeias bizarras,
desprovidas de sentido e talvez o único sentido seja fazer coro aos corações
vazios e suas poucas crenças no lúdico. Se vamos a uma festa e lá está tocando
essas bestialidades sonoras não vejo problema, mas quando isso passa a ser uma
verdade nas nossas vidas e só se consegue pensar neste pequeno espaço de sub-
criatividade, isso nos revela um sintoma pavoroso “cultural” de degeneração intelectual.
O riso e o ócio aqui foram tomados
de assalto por uma poderosa máquina política e cultural para alienar e manter
na ignorância corações incautos, tudo isso ainda tem uma vigorosa contribuição
de um sistema público de educação falido que só não desmorona de vez por causa
de alguns poucos e bons professores e professoras que não se intimidam diante
esse horror todo. A Bahia é uma grande produtora de porcarias sonoras, o que é
uma pena.
Mas se procurarmos com calma
sempre há coisas boas, bons artistas. Eu particularmente comecei a gostar
poesia primeiro pelas letras de músicas, antes dos livros, chegou até mim os
discos.
(Lorena)- Que musicais, que
artistas?
(Ediney)- Eu sempre gostei mais de
letras de músicas que das músicas. Então, por exemplo, quando era criança
gostava muito das músicas do Sérgio Reis, ele cantava letras suáveis, bucólicas
que me lembravam o sertão ou sou sertanejo e as canções do Sérgio pareciam
amigas, os primeiros discos de Amado Batista e suas canções de amor rasgado,
sempre gostei de canções com esse teor saudosista, na adolescência me encantei
com Edson Gomes e suas canções com forte teor social e político, antes de Marx
quem me disse algo sobre as relações de poder e nós mortais foi Edson Gomes, o
primeiro artista brasileiro que me influenciou, na adolescência eu queria ser
como ele e dizer aquelas coisas todas, depois veio o Legião Urbana, Renato
Russo me deu doses generosas de lirismo, letras bem construídas, muito
literárias, são artistas eternos pela qualidade do que fizeram, bons exemplos
de que se pode fazer sucesso sem ser medíocre. Belchior, Zé Ramalho, Ângela
Rôrô são pessoas presentes sempre na
minha vida e tantos outros.
(Lorena)- O que você acha de
Gregório de Mattos?
(Ediney) - Um dos grandes poetas
deste país, um cara extremamente talentoso, soube como viver plenamente todos
personagens da sua inquieta personalidade, seus conflitos religiosos, sua
poesia social – satírica que não poupou ninguém, a acidez poética em tratar os
poderosos e os fracos da época, uma alma complexa e um talento incrível.
(Lorena) Como você sente a poesia
de Cecilia Meireles?
(Ediney)- Uma poesia intimista,
lúdica, delicada, voltada para questões mais introspectiva, a busca pelo
entendimento das emoções com o mundo opressor e geralmente excludente. Eu gosto
muito de um livro dela chamado “Cânticos”, é um livro muito místico que traz
uma poesia suave e quase religiosa, “ Cânticos” é uma delicada mensagem de esperança, uma
alternativa poética ao caos emocional que nos perdemos, caos que nos fez pouco a pouco devoramos o amor e o bem maior
que temos que é nossa própria condição humana.
(Lorena)- Relembrando a questão da
música, ha também o Vinicius de Morais...
(Ediney) - Ele foi um cara
diferente, multimídia, foi poeta, letrista, cantor, embaixador, foi demitido do
cargo de embaixador acusado de não ter um perfil para o cargo, recentemente
soube que foi simbolicamente readmitido pelo Itamaraty, foi um homem aberto e
profundamente ligado ao seu tempo, um carioca quase baiano, se encantou e
cantou o candomblé, um homem de muitos amores e cantou todos, biriteiro
assumido e um coração lírico apaixonado pela palavra, foi uma amente da palavra,
homem da noite e das mulheres como da palavra e da poesia.
(Lorena)- Muito obrigado pela
entrevista!
(Ediney)- Obrigado você... Amemos
e nos embriaguemos como Vinicius de Moraes, sejamos quando necessário, céticos
como Augusto dos Anjos, suaves como Cecilia Meireles, corajosos como Gregório
de Mattos, irônicos como Manuel Bandeira e sobre tudo esperançosos como Castro
Alves.
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