segunda-feira, 1 de julho de 2019

Entrevista com o poeta Ediney Santana


Entrevista com o poeta Ediney Santana

(Lorena) - Ediney quando você comeu a escrever?
Ediney Santana e Lorena Soares
(E
diney) - Exatamente não lembro quando me despertou o gosto pela literatura e escrita, mas certamente as aulas de Comunicação e Expressão entre a 5ª e 8ª séries do primeiro grau (chamavam assim as aulas de Língua Portuguesa) da professora Norma no colégio Senador Pedro Lago foram decisivas pelo meu encantamento a palavra e escrita. A professora Norma foi à pessoa mais importante na minha formação intelectual.

(Lorena)- Como é sua relação com a Língua Portuguesa, gramática e literatura?
(Ediney)- Minha relação é mais com a literatura que com a gramática, o meu encanto é com a semântica da palavra.
(Lorena)- Quais são os poetas portugueses, brasileiros que você mais se identifica?
(Ediney)- São fases literárias, houve um período que foi muito Augusto dos Anjos, um dos maiores poetas do mundo, um cara que só publicou um livro e está aí até hoje. Outra fase foi Castro Alves pela militância social, outros momentos Manuel Bandeira pela doçura e leveza em falar das nossas misérias cotidianas, pessoais e ultimamente muitos poetas contemporâneos, autores de blogs.
(Lorena)- Como você entende poesia e poema? Ha diferenças?
(Ediney) - Poema seria a forma, poesia o significado ou signo verbal, a semântica e imagens da palavra. Mas podemos encontrar poesias em textos em prosa e não encontrar poesia alguma em um livro de poemas, às vezes você ler um poema e é só um amontoado de palavras sem signo poético algum. A poesia em si transcende a forma física do papel, vai muito além...
(Lorena)- No dia 14 de março é o dia da poesia em homenagem a Castro Alves, o que você acha dessa homenagem?
(Ediney)- Mais que justa, Castro Alves foi poeta da intensidade verbal, militou com paixão e verdade na poesia, em um período conturbado da nossa história, seus versos oscilavam entre o lirismo e a militância social, uma voz poética muito forte, verdadeira. Por ele ter nascido no dia 14 de março se fez essa homenagem fazendo desta data o dia nacional da poesia, sua poesia é ainda muito simbólica, seus versos sociais fazem eco nestes nossos dias, já que a escravidão mudou de forma, hoje se escraviza de outras maneiras, a principal dela é negar a história, nosso tempo é o tempo em que se fortalece a ideia da não memória, da não história, cultiva-se apenas o moribundo presente que não dura 24h horas, ha a repetição do que em verdade não existe porque é feito para o compartilhamento vazio de emoções vazias.
Eu particularmente gosto mais da lira de Castro Alves, a poesia do “Espumas Flutuantes”, uma poesia sensível, mas sua poesia  social encontra em mim um profundo admirador, ele foi um cara extremamente corajoso, jogou na cara das elites escravocratas do seu tempo as mazelas e servidão de uma época  triste e desesperadora.
(Lorena)- Qual a poesia que você mais gosta do Castro Alves?
(Ediney)- Gosto muito de um poema chamado “Adormecida”:

Uma noite, eu me lembro... Ela dormia 

Numa rede encostada molemente... 

Quase aberto o roupão... solto o cabelo 
E o pé descalço do tapete rente.

'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste 

Exalavam as silvas da campina... 

E ao longe, num pedaço do horizonte, 
Via-se a noite plácida e divina.

De um jasmineiro os galhos encurvados, 

Indiscretos entravam pela sala, 

E de leve oscilando ao tom das auras, 
Iam na face trêmulos — beijá-la.

Era um quadro celeste!... A cada afago 

Mesmo em sonhos a moça estremecia... 

Quando ela serenava... a flor beijava-a... 
Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...

Dir-se-ia que naquele doce instante 

Brincavam duas cândidas crianças... 

A brisa, que agitava as folhas verdes, 
Fazia-lhe ondear as negras tranças!

E o ramo ora chegava ora afastava-se... 

Mas quando a via despeitada a meio, 

P'ra não zangá-la... sacudia alegre 
Uma chuva de pétalas no seio...

Eu, fitando esta cena, repetia 

Naquela noite lânguida e sentida: 

"Ó flor! — tu és a virgem das campinas! 
                                                            "Virgem! — tu és a flor da minha vida!..."



Linda né? Acho bela, o olhar sobre a mulher dormindo, ele se imaginando entre seus seios, criando imagens sensuais e sedutoras, escreve sensações que aquela mulher provoca nele, tudo apenas por causa de um roupão sutilmente aberto e ele se desmancha em prazer kkk. O “Livro e a América” também é um poema que me diz muito, para quem milita na educação o poeta fala em levar livro para o povo e fazer o povo pensar:


“Oh! Bendito o que semeia 
Livros... livros à mão cheia... 
E manda o povo pensar! 
O livro caindo n'alma 
É germe — que faz a palma, 
É chuva — que faz o mar”.






(Lorena)- Como você analisa a influência da internet na literatura e na vida das pessoas?

(Ediney)- A internet é uma grande biblioteca áudio visual, o que percebo que se tem muita informação, mas sem gerar conhecimento, para a literatura, acho que a internet é responsável pela renovação radical da nossa letras, com os livros digitais e blogs, ficou mais fácil e democrático editar livros e não se tem mais o peso coorporativo das editoras dizendo o que se deve ou não ser editado ou lido . A grande questão é como vamos sair de uma geração de informação para uma geração de conhecimento, somos a geração da ressaca, sem paixões e feliz em nos repetirmos, mesmo com todas as ferramentas que nos possibilitam uma tomada de consciência mais profunda infelizmente apostamos na falsa civilização da ausência de ideais no sentido radical da palavra, esse é o tempo do “tanto faz, sempre foi assim, sou amigo de todos e todos são lindos”, tempo do tomar café enquanto rimos do vizinho que foi decapitado. Tudo isso se reflete nas artes que às vezes é patológica e demente como esse tempo de ressaca idealista.
A internet transformada em ferramenta apenas de pesquisa tem formado batalhões de pessoas emburricadas, treinadas na arte de copiar e arrotar verdades caducas para um mundo que pede posicionamento crítico e objetivo. Mas ao mesmo tempo ela aponta caminhos, a internet enquanto território quase livre tem mais sentido democrático que o Estado brasileiro ainda imerso em parasitaríssimo politico e artificial incompetência admirativa.

(Lorena)- Muitas letras de música tem forte teor poético, como você analisa hoje esse encontro entre música e poética?

(Ediney)- A música se renova com muita rapidez, mas com pouca qualidade. A música é muito banalizada, nestes nossos dias vejo muitas letras de músicas que são apenas Onomatopeias bizarras, desprovidas de sentido e talvez o único sentido seja fazer coro aos corações vazios e suas poucas crenças no lúdico. Se vamos a uma festa e lá está tocando essas bestialidades sonoras não vejo problema, mas quando isso passa a ser uma verdade nas nossas vidas e só se consegue pensar neste pequeno espaço de sub- criatividade, isso nos revela um sintoma pavoroso “cultural” de degeneração intelectual.
O riso e o ócio aqui foram tomados de assalto por uma poderosa máquina política e cultural para alienar e manter na ignorância corações incautos, tudo isso ainda tem uma vigorosa contribuição de um sistema público de educação falido que só não desmorona de vez por causa de alguns poucos e bons professores e professoras que não se intimidam diante esse horror todo. A Bahia é uma grande produtora de porcarias sonoras, o que é uma pena.
Mas se procurarmos com calma sempre há coisas boas, bons artistas. Eu particularmente comecei a gostar poesia primeiro pelas letras de músicas, antes dos livros, chegou até mim os discos.
(Lorena)- Que musicais, que artistas?

(Ediney)- Eu sempre gostei mais de letras de músicas que das músicas. Então, por exemplo, quando era criança gostava muito das músicas do Sérgio Reis, ele cantava letras suáveis, bucólicas que me lembravam o sertão ou sou sertanejo e as canções do Sérgio pareciam amigas, os primeiros discos de Amado Batista e suas canções de amor rasgado, sempre gostei de canções com esse teor saudosista, na adolescência me encantei com Edson Gomes e suas canções com forte teor social e político, antes de Marx quem me disse algo sobre as relações de poder e nós mortais foi Edson Gomes, o primeiro artista brasileiro que me influenciou, na adolescência eu queria ser como ele e dizer aquelas coisas todas, depois veio o Legião Urbana, Renato Russo me deu doses generosas de lirismo, letras bem construídas, muito literárias, são artistas eternos pela qualidade do que fizeram, bons exemplos de que se pode fazer sucesso sem ser medíocre. Belchior, Zé Ramalho, Ângela Rôrô são pessoas presentes sempre na minha vida e tantos outros.

(Lorena)- O que você acha de Gregório de Mattos?

(Ediney) - Um dos grandes poetas deste país, um cara extremamente talentoso, soube como viver plenamente todos personagens da sua inquieta personalidade, seus conflitos religiosos, sua poesia social – satírica que não poupou ninguém, a acidez poética em tratar os poderosos e os fracos da época, uma alma complexa e um talento incrível.

(Lorena) Como você sente a poesia de Cecilia Meireles?


(Ediney)- Uma poesia intimista, lúdica, delicada, voltada para questões mais introspectiva, a busca pelo entendimento das emoções com o mundo opressor e geralmente excludente. Eu gosto muito de um livro dela chamado “Cânticos”, é um livro muito místico que traz uma poesia suave e quase religiosa, “ Cânticos” é uma delicada mensagem de esperança, uma alternativa poética ao caos emocional que nos perdemos, caos que nos fez pouco a pouco devoramos o amor e o bem maior que temos que é nossa própria condição humana.


(Lorena)- Relembrando a questão da música, ha também o Vinicius de Morais...


(Ediney) - Ele foi um cara diferente, multimídia, foi poeta, letrista, cantor, embaixador, foi demitido do cargo de embaixador acusado de não ter um perfil para o cargo, recentemente soube que foi simbolicamente readmitido pelo Itamaraty, foi um homem aberto e profundamente ligado ao seu tempo, um carioca quase baiano, se encantou e cantou o candomblé, um homem de muitos amores e cantou todos, biriteiro assumido e um coração lírico apaixonado pela palavra, foi uma amente da palavra, homem da noite e das mulheres como da palavra e da poesia.


(Lorena)- Muito obrigado pela entrevista!


(Ediney)- Obrigado você... Amemos e nos embriaguemos como Vinicius de Moraes, sejamos quando necessário, céticos como Augusto dos Anjos, suaves como Cecilia Meireles, corajosos como Gregório de Mattos, irônicos como Manuel Bandeira e sobre tudo esperançosos como Castro Alves.


* Leia aqui outros trechos da entrevista:


http://www.ufrb.edu.br/reverso/2013/03/13/dia-nacional-da-poesia-e-comemorado-nesta-quinta/

htpp://cartasmentirosas.blogspot.com





sábado, 16 de fevereiro de 2019

Um lugar de muitos lugares

No youtube, outra mídia social bastante utilizada pelos moradores de Santo Amaro, pudemos reencontrar alguns dos blogueiros mencionados acima. Deles recuperaremos somente Ediney Santana. 
Os vídeos de Ediney Santana constituem a amostra dessa seção por ilustrarem uma relação específica (que caracterizaremos mais adiante) com o lugar Santo Amaro. Nesses vídeos, o autor deixara claro seu vínculo afetivo com a cidade. Citaremos três. No primeiro, “Santo Amaro: em busca da Purificação”197, Ediney Santana recitou uma poesia de sua autoria enquanto andava pela praça da Purificação, descrevendo um caminho (metáfora da busca do título?) que se finalizava no encontro com a igreja da Purificação. No segundo vídeo – “Rio de águas mortas”198 –, o autor desenvolveu uma reflexão e um depoimento sobre o rio Subaé e sua poluição. Seu mote surgiu, segundo Santana (no próprio vídeo), de um passeio banal com sua filha, as margens do rio. Santana construíra, a partir de sua experiência cotidiana no lugar (e, obviamente, de seu conhecimento formal e de suas intenções enquanto cidadão), uma fala ambientalista de objetivo moralizante. Usando as frases de sua filha e de outra criança, mais cenas do rio poluído e sujo, ele pôs no vídeo a população moradora da cidade como participante do seu processo de deterioração.
197 Publicado em 2012. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ZaeyAOUXIaI>. Acesso em: agosto de 2015. 
198 Publicado em 2012. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=FchgPEw7zi0>. Acesso em: agosto de 2015. 
199 Publicado em 2013. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=EMK8jtTtI9w>. Acesso em: agosto de 2015. 
200 Música composta por Flávio Venturini (no álbum “Luz viva”, de 2007). O artista é presença assídua entre as apresentações de palco nas festas de Santo Amaro. 
No último vídeo, “Memória afetiva de Santo Amaro da Purificação”199, da amostra que elegemos, Santana compôs uma apresentação de slides com fotos antigas da cidade e dos seus moradores. Na trilha sonora, o autor inseriu, introduriamente no vídeo, a música “Céu de Santo Amaro”200 interpretada por Maria Betânia. Esse vídeo, especialmente, teve milhares de visualizações (quase 4.000), mas nenhum comentário (como os outros dois exemplos). Quais os objetivos de quem assiste esse vídeo? Foram moradores de Santo Amaro aqueles que o assistiram? Assistiram com o fim de alimentar algum tipo de identificação com a cidade? Sem responder às perguntas diretamente, mas Pensando sobre como são construídos os estereótipos, pensamos que Ediney Santana, inevitavelmente, fez sua contribuição para a virtualização do lugar Santo Amaro.
Enfim, de um modo geral, Santana produzira uma fala bucólica (e, em outro grau de intensidade, nostálgica) do lugar Santo Amaro, servindo-se da própria paisagem (pretérita e/ou atual) da cidade para tanto. Mais um caso em que surpreendemos uma produção da cidade enquanto lugar fenomenológico, construído relacionalmente através da experiência dos indivíduos que o vivem. Apesar desse recorte teórico não ser um eixo analítico nesse trabalho, é impossível não nos referirmos a ele quando perspectivas mais individuais do lugar se colocam, ainda mais quando essas perspectivas são publicizadas através da internet, tornando-se parte de um processo de construção discursiva e virtual do lugar em questão. Sem dúvida, essa construção não ficará encapsulada no mundo virtual. Os indivíduos que as assistem, e as modificam (não esqueçamos das funções pós-massivas das mídias sociais) passiva ou ativamente, trazem-nas consigo ressignificadas. O lugar virtualizado, enquanto discurso, apropriado e ressignificado pelo outro, se liga novamente ao mundo sensível e dialoga com ele como mediação através das relações, contribuindo para a estruturação de um lugar sensível, que não é seu espelho, mas um desenvolvimento. O lugar fenomenológico, subjetivista, torna-se parte de outro lugar, rizomático, pós-estruturalista. Para se sustentar e tornar-se vivo e cotidiano, ele se territorializa através de inumeráveis relações. O lugar torna-se infinito e repercute em outras categorias analíticas, em outros planos da existência. 
As estruturas físicas que constituem a redes sociotécnicas que servem à comunicação e ao transporte da informação participam da constituição de um lugar virtualizado e abstrato, um discurso ideológico sempre em construção que se capilariza e reverbera em outros lugares. Outras pessoas, outros sujeitos, portanto, serão afetados pelo lugar Santo Amaro virtualizado e vice-versa. Ao mesmo tempo, os próprios sujeitos do lugar virtualizado também serão afetados. As consequências desse processo de afetação mútua e indiscriminada deverão ser muitas, mas entre elas, falaremos sobre configurações e reconfigurações do espaço físico e social. Ocorrerão deslocamentos de pessoas e objetos e, ao mesmo tempo, surgirão novas geometrias de poder. É sobre essas geometrias de poder, configuradas a partir de cada dimensão do fazer espacializado no cotidiano de Santo Amaro, que discutiremos ao longo das seções seguintes . 
AUTOR : SHANTI NITYA MARENGO
SANTO AMARO-BA:
Extraído de : UM LUGAR DE MUITOS LUGARES
( TESE DE DOUTORADO)
Salvador
2016/UFBA
FONTE:
https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/20640/1/TESE.pdf


sábado, 2 de junho de 2018

Livros

Ediney Santana- The lonely Shadow

Ediney Santana- Palavra ( mal) dita

Ediney Santana- Anfetaminas e arco -íris 

Ediney Santana- Os deuses não são socialistas

Ediney Santana - Dias delicados