sexta-feira, 12 de junho de 2015

Invisivelmente produtivo

Ediney Santana

O ato de escrever?

R- Tenho longos diálogos comigo mesmo, sempre fui assim. Desde sempre estive ligado com meus diálogos internos, quando criança escrevia diários e ainda escrevo, meu ato de escrever é minha carta de intenções dirigida primeiro ao que sou, me afirmo assim como pessoa, depois penso no leitor, não ofereço ao leitor um diário de minha vida, mas as leituras que faço da vida, das nossas relações sociais, meu ato de escrever reflete a leitura possível do mundo, evidentemente não é a única.

Retorno do que escreve?
Não tenho leitores, não há neste momento pessoa alguma que pense  ou esteja lendo  algum poema ou conto escrito por mim, creio que só quando uma obra é lida seu autor pode-se dizer escritor, pensando assim não me vejo como escritor. Deixo meus livros em pontos de ônibus, bancos de praça, enfim em qualquer, mas nunca tiver resposta. Talvez seja um tipo de escritor diferente, o tipo que não se alimenta de leitores, mas da palavra que escreve, não tenho problemas com isso, continuo escrevendo, importa deixar aqui algo que embora invisível seja positivo, a invisibilidade ativa não pode ser tirada de mim.
Por outro lado a ideia da celebridade, do rei de Midas ainda não foi vencida, muitas pessoas só enxergam algo quando esse rei de Midas toca e diz: é ouro, esperava que neste século, com a internet o poder político e empresarial de determinar quem tem direito a voz ou não fosse se não vencido ao menos questionado.  Mas isso não me desmotiva, importante é escrever, se seu invisível sou também produtivo.

Fale mais sobre a invisibilidade?

Há um mito que só talento basta para que alguém tenha voz, consiga ser ouvido, a ideia tosca da meritocracia. Isso é um mito, só o talento não basta, muitas pessoas têm suas vozes silenciadas, a depender o que se pensa não haverá visibilidade para ser ouvido. Cada geração produz seus invisíveis, o que defendo é que não devemos nos calar diante essa invisibilidade, não enxergar como recompensa ao que fazemos o aplauso da platéia, antes de quaisquer coisas deve-se ter prazer com o que produzimos, eu tenho prazer em escrever livros, claro, se reconhecido deve ser bom, ter seus livros comentados também, mas antes disso tudo tenho prazer com esse essencial que sai de mim e se materializa em cada palavra que escrevo.

Sua turma?
Tenho amigos, alguns, bem poucos. Mas não faço parte de movimento artístico algum. Já cometi o erro de militância partidária, cometer o mesmo erro na arte seria estupidez ao quadrado. Há uma ideia ébria no ar, certa civilidade da conveniência, tudo para disfarçar a soberba e vaidade, não sei se serei lembrado pela minha geração , isso também não me interessa, compro muitos livros de autores contemporâneos, estou atento as novas publicações, como leitor não vivo ilhado, como autor e pessoa cada vez mais estou recluso, gosto desses distanciamento, de olhar tudo como um cartão postal, desejando felicidades para todos.

Vídeos poemas?

Adoro fazer vídeos poemas, recitar meus versos e deixar lá no youtube, é um dos meus prazeres, é minha maneira de dizer para mim mesmo e para o mundo que estou vivo, mesmo que esse meu mundo seja dez visualizações.
Sou inquieto, às vezes ao andar pelas ruas falo em voz alta, as inquietações saem livres em diálogos entre esse eu sereno e o outro eu  aflito. Então os vídeos poemas é tudo isso somado, vários tons de uma mesma canção.

Brasil de hoje?

Sectarista, esquizofrênico e intolerante. Pode-se dizer que tudo isso é eco do passado, mas hoje esse eco traz todo um teor de perversidade impensável para mim que fui da geração ressaca, a que nasceu na possível utopia de um país livre da ditadura que seria realmente democrático, mas mergulhou na ditadura do mau gosto, das relações ácidas, da intolerância e xenofobia.
Penso que só existe um partido no Brasil: intolerante. Grupos religiosos cretinos, movimentos sociais cretinos, direita e esquerda cretinas. A violência intelectual no Brasil é tão nociva quanto à física, a violência intelectual é a estrategista moral e ética da violência que nos apavora pelas ruas, os responsáveis por isso são todos esses agentes que inundam redes sócias de ódio e demência política e religiosa, que estão nos partidos, templos e todo dito de organização que pregam o ódio como argumento intelectual.
Há saída para isso tudo?

Sempre há, não só uma saída, mas varias, é necessário múltiplas visões políticas, culturais e religiosas. Quanto mais o debate ser entre dois grupos esquerda ou direita mais eles se fortalecem e continuam hegemônicos. Quem determinou que devemos pensar apenas em duas alternativas? Nada é simplista assim, mas eles estão corroendo todas nossas alternativas, nas universidades, por exemplo, há uma paralisia, em especial, nos cursos de humanas ou licenciatura, quase nada se produz, tudo é requentado, alunos supostamente bem esclarecidos se agarram em meia dúzia de conceitos e não se permitem mais ao contraditório e isso é para qualquer posição ideológica que tenham . A ideia de alguém ainda ter posição ideológica é por si só trágica.
Ainda há pessoas que acreditam que o socialismo é o caminho, quando já foi rezada a missa de 7º dia do capitalismo.

Niilista, cético?

Não desisto das utopias positivas, não sou cético, mas não vou fundar as bases das minhas utopias em visões de mundo que embora se acreditem pós- modernas ou qualquer outro adjetivo da moda, para mim não diferem das velhas carcaças intelectuais de sempre. O discurso artístico no Brasil, com alguma exceção se tornou um discurso da mendicância por verbas pública, movimentos sociais se algemaram a governos, a esquerda não tem capital ético para apontar minhas contradições e a direita é especializada em sexo oral no poder, o pensamento de direita no Brasil se resume há algumas moedas jogadas em suas caras carrancudas e ética cotada na bolsa de valores da intolerância e do ódio.

Projetos?

Estou terminando um novo romance, “Não olhe nos olhos”, uma história que se passa em Brasília. A ideia é uma trilogia de histórias em que cidades sejam protagonistas.
O primeiro romance foi Urbem Angeli, toda narrativa se passa nessa cidade Urbem Angeli. Agora “Não olhe nos olhos”. E continuar com meus vídeo.

Palavras finais:

Muito obrigado, fazer da invisibilidade algo produtivo, amor sem servilismo e alegria sincera para todos corações.  


Entrevista concedida   a Grabriely Del Fabry
Brasília, 12 de junho de 2015